sábado, 15 de novembro de 2014

TIA CIATA, MÃE DE TODOS * Antonio Cabral Filho - Rj

-Profeta Gentileza-
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TIA CIATA, MÃE DE TODOS,
chamava-se Hilária Batista de Almeida, nome europeu, possivelmente cristão, nasceu livre em 23 de abril de 1854, na cidade de Salvador - Ba, mas há controvérsias sobre seu local de nascimento, pois algumas fontes afirmam ser Santo Amaro da Purificação; polêmicas à parte, nascer livre na Bahia de 1854 não era o mesmo que nascer livre hoje. É preciso ressaltar que a Bahia naquele último século, 1754-1854, quando ela nasce, viveu em permanente levante contra a escravidão dos povos negros. Podemos constatar mais de trinta rebeliões negras até 1835, com a Revolta Malê. Nesse período, intensificou-se a comunicação entre as diversas etnias submetidas à escravização no Brasil e um fator importante na sua articulação interna rumo à libertação foi o exercício de atividades extra casa-grande, ou seja, o cativo de ganho, como eram denominados os negros que tinham uma profissão, usavam uma parte do seu "dia de trabalho" para circular nas redondezas vendendo algum produto, oferecendo seus serviços a outros ou ainda produzindo artesanato em algum local, em geral na via pública. E muitos desses cativos eram lideranças entre suas etnias e saia em busca de outras para se unirem em torno do objetivo comum, ou seja, lutar contra a escravidão. Assim é que seria possível alguém nascer livre em um ambiente escravocrata, pois grande parte dessas etnias compravam dos senhores a sua alforria e devemos nos lembrar de que a Lei do Ventre foi promulgado em 1861.
TIA CIATA
Esse é um dado que explica o fato de TIA CIATA ser cozinheira por tradição de família e dominar tranquilamente a culinária africana, tão comum na Bahia. O fato de vir a ser Mãe de Santo prova outro  elemento importante, demonstrando que sua raiz etnica não é muçulmana e vinculada às manifestações afro-culturais libertárias, diferentemente daquela, que incluia no manifesto de seu levante a execução de mulatos. Outro fator significativo na biografia de TIA CIATA, é que ela veio para o Rio de Janeiro aos 22 anos, em 1876, no interior de um dos maiores êxodus da história abolicionista brasileira, que ficou conhecido como Diáspora Baiana e se constituia de multidões de negros libertos saindo da Bahia em direção a outros lugares do Brasil, em busca de trabalho, e um desses destinos era o Rio de Janeiro, por se tratar de capital do país e onde o movimento abolicionista era fortíssimo, tendo inclusive a participação de membros da Família Real, dos quais o principal era publicamente conhecido, a Princesa Isabel. 
Essas levas de homens livres chegaram à cidade e foram se amontoando aonde fosse mais fácil conseguir meios de sobrevivência, e o Porto do Rio de Janeiro era uma grande opção, pois carecia de mão de obra disposta a encarar um dos trabalhos ainda hoje terríveis, conhecidos como ESTIVA, o descarregamento manual de navios. No bojo disso tudo, TIA CIATA
 foi residir inicialmente na Rua General Câmara, que ia da Praça da Bandeira até ao Campo de Santana, aonde hoje é a pista direita da Avenida Presidente Vargas no sentido Candelária, depois na Rua da Alfândega e a seguir na Rua Visconde de Itaúna, também engolida pela abertura da atual "Presidente Vargas", exatamente naquele trecho entre o edifício Balança-Mas-Não-Cai e a Rua Marquês de Sapucaí, tradicional localização da antiga Praça Onze ou melhor, do que restou dela.

Devido a sua atividade gastronômica ligada à culinária africana, reafirmando a tradição empreendedora do "cativo de ganho" com a produção de  iguarias baianas, sua casa atraía grande quantidade de políticos, boêmios, músicos e personalidades do mundo afro, entre os quais  líderes rebeldes negros, a maioria para saborear seus quitutes e muquecas, mas daí para uma articulação política e uma  roda de batuque era um pulo. Foi assim que sua casa ficou conhecida e sua fama propagada.

Tia Ciata foi também uma Mãe de Santo especial, pois era em seu TERREIRO  que se realizam as seções de culto aos orixás e divindades do candomblé, sempre crescentes em popularidade. Assim que chegou à Cidade Maravilhosa, Tia Ciata conheceu Norberto da Rocha Guimarães, do qual engravidou e nasceu sua primeira filha, batizada com o nome de Isabel, mas o caso não foi adiante  e ela seguiu trabalhando pelo seu sustento e da filha fazendo o que sabia desde o berço: quitutes africanos. Mais tarde, conheceu João Batista da Silva, quartanista de medicina na Bahia, moço bem sucedido na vida e ambos se apaixonaram, advindo daí quatorze filhos. Além disso, Tia Ciata era conhecida ainda por suas CURAS, e devido às batidas policiais na Praça Onze, um investigador de polícia conhecido como Bispo, descobriu seus "poderes", e, como trabalhasse junto ao Presidente Wenceslau Brás, decidiu ajudá-lo na cura de uma ferida que não cicatrizava, propondo-lhe ir até ao TERREIRO da Tia Ciata, afirmando-lhe que ela podia curá-lo. O mandatário topou e foi até ela, que incorporou um santo de cura, benzeu-lhe a perna e receitou um emplastro de ervas, que acabou por curá-lo e cicatrizar aquela ferida. Quando Wenceslau Brás se viu curado, procurou Tia Ciata e perguntou-lhe do que mais necessitava naquele momento, cuja resposta foi " eu não preciso de nada", mas se puder ajudar-me, eu gostaria que empregasse o meu marido. Assim João Batista da Silva tornou-se chefe de gabinete na chefatura de polícia do Rio de Janeiro.     
Devemos nos lembrar de que o período pós-abolição gerou um acirramento de contradições sociais muito forte no Brasil, que atirou o povo negro na rua da amargura, sem casa, sem trabalho, a maioria sem qualificação profissional, além da discriminação racial, que criminalizava as manifestações da cultura afro. Nesse ínterim usava-se muito como artifício, para confundir ouvidos desagradáveis e alcaguetes, a mistura das rodas de batuques com cultos e reuniões abolicionistas, de modo que quem ouvisse, não saberia do que se tratava, se diversão, política  ou culto.  "Tem samba nesta macumba!", era uma das tantas expressões racista usadas pela polícia durante as invasões aos cultos ou às rodas de samba, enquanto recolhia instrumentos e indumentária carnavalesca ou religiosa, muito mais devido à ignorância sobre os mesmos, pois o policiamento se constituía, basicamente, de elementos incultos e inimigos da cultura negra. Portanto, não é de se admirar que um quase-doutor em medicina vivesse desempregado na Capital da República, de um país que se apresentava como "moderno!" perante o mundo, e, não fosse a astúcia de uma mulher habilidosa - chamada carinhosamente pelo povo como TIA CIATA- um homem negro qualificado não teria colocação na sociedade branca. No entanto, ela revelou-se maior ainda, ao manobrar com os poderes da jovem república criando uma área livre de policiamento em torno da Praça Onze, para garantir tranquilidade aos cultos, ao lazer e às articulações políticas advindas do movimento negro nascente.
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